O maior conflito do Paraguai é reaver a terra usurpada por
fazendeiros brasileiros. O país vizinho "cedeu" a estrangeiros 25% do
seu território cultivável
Mal
havia terminado o golpe de Estado contra o presidente Fernando Lugo e flamantes
porta-vozes da burguesia brasileira saíram em coro a defender os golpistas.
Seus
argumentos eram os mesmos da corrupta oligarquia paraguaia, repetidos também de
forma articulada por outros direitistas em todo continente. O impeachment,
apesar de tão rápido, teria sido legal. Não importa se os motivos alegados eram
verdadeiros ou justos.
Foram
repetidos surrados argumentos paranoicos da Guerra Fria: "O Paraguai foi
salvo de uma guerra civil" ou "o Paraguai foi salvo do terrorismo dos
sem-terra".
Se a
sociedade paraguaia estivesse dividida e armada, certamente os defensores do
presidente Lugo não aceitariam pacificamente o golpe.
Curuguaty,
que resultou em sete policiais e 11 sem-terra assassinados, não foi um conflito
de terra tradicional. Sem que ninguém dos dois lados estivesse disposto, houve
uma matança indiscriminada, claramente planejada para criar uma comoção
nacional. Há indícios de que foi uma emboscada armada pela direita paraguaia
para culpar o governo.
Foi o
conflito o principal argumento utilizado para depor o presidente. Se esse
critério fosse utilizado em todos os países latino-americanos, FHC seria
deposto pelo massacre de Carajás. Ou o governador Alckmin pelo caso
Pinheirinho.
O
Paraguai é o país do mundo de maior concentração da terra. De seus 40 milhões
de hectares, 31.086.893 ha são de propriedade privada. Os outros 9 milhões são
ainda terras públicas no Chaco, região de baixa fertilidade e incidência de
água.
Apenas
2% dos proprietários são donos de 85% de todas as terras. Entre os grandes
proprietários de terras no Paraguai, os fazendeiros estrangeiros são donos de
7.889.128 hectares, 25% das fazendas.
Não
há paralelo no mundo: um país que tenha "cedido" pacificamente para
estrangeiros 25% de seu território cultivável. Dessa área total dos
estrangeiros, 4,8 milhões de hectares pertencem brasileiros.
Na
base da estrutura fundiária, há 350 mil famílias, em sua maioria pequenos
camponeses e médios proprietários. Cerca de cem mil famílias são sem-terra.
O
governo reconhece que desde a ditadura Stroessner (1954-1989) foram entregues a
fazendeiros locais e estrangeiros ao redor de 10 milhões de hectares de terras
públicas, de forma ilegal e corrupta. E é sobre essas terras que os movimentos
camponeses do Paraguai exigem a revisão.
Segundo
o censo paraguaio, em 2002 existiam 120 mil brasileiros no país sem cidadania.
Desses, 2.000 grandes fazendeiros controlam áreas superiores a mil ha e se
dedicam a produzir soja e algodão para empresas transnacionais como Monsanto,
Syngenta, Dupont, Cargill, Bungue...
Há
ainda um setor importante de médios proprietários, e um grande número de
sem-terra brasileiros vivem como trabalhadores por lá. São esses brasileiros
pobres que a imprensa e a sociologia rural apelidaram de
"brasiguaios".
O
conflito maior é da sociedade paraguaia e dos camponeses paraguaios: reaver os
4,8 milhões de hectares usurpados pelos fazendeiros brasileiros. Daí a
solidariedade de classe que os demais ruralistas brasileiros manifestaram
imediatamente contra o governo Lugo e a favor de seus colegas usurpadores.
O
mais engraçado é que as elites brasileiras nunca reclamaram de, em função de o
Senado paraguaio sempre barrar todas as indicações de nomes durante os quatro
anos do governo Lugo, a embaixada no Brasil ter ficado sem mandatário durante
todo esse período.
JOÃO PEDRO STEDILE, 58, economista, é integrante da
coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) e da
Via Campesina Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário