Por
Leonardo Wexell Severo
Como
as multinacionais e os conglomerados de comunicação atuaram coordenados na
derrubada do presidente Fernando Lugo.
Uma
grotesca farsa caiu como raio em céu claro sobre o presidente constitucional do
Paraguai, Fernando Lugo. Em questão de horas o mandatário teve o seu
"impeachment" proposto, analisado e votado pelo Congresso, mediante
um processo metodicamente orquestrado pelas multinacionais Monsanto e Cargill,
a oligarquia latifundiária, as elites empresariais e sua mídia.
As
comemorações estampadas nas capas dos principais jornais paraguaios dão a
dimensão do ódio de classe, com as desclassificadas mentiras destiladas contra
quem se dispôs - ainda que com vacilos e limitações - a virar a página de
abusos e subserviência aos ditames de Washington e suas empresas.
"A situação
de expectativa gerada pela decisão dos legisladores de submeter o presidente
Fernando Lugo a juízo político foi, finalmente, resolvida de um modo ordenado,
pacífico e respeitoso da legalidade, da institucionalidade e dos critérios
essenciais de equidade que devem presidir processos tão delicados como o que
acaba de ser levado a bom termo. A destituição do presidente abre fundadas
esperanças num futuro melhor" - Editorial do jornal ABC Color
"Um
presidente sem respaldo, que se mostra negligente e incapaz, não pode seguir
governando. Sem lugar a dúvidas, o erro mais grave de Fernando Lugo foi o
respaldo outorgado a dirigentes de supostos camponeses que receberam carta
branca do governo para invadir terras, ameaçar e desafiar o Estado de Direito.
Lugo decepcionou a grande maioria da cidadania paraguaia com suas decisões
errôneas, seu sarcasmo, sua desastrosa vida pessoal, sua ambiguidade e sua
crescente amizade com inimigos declarados da democracia, como Hugo Chávez e os
irmãos Castro" - Editorial do
jornal Vanguardia
"Lugo
tem princípios populistas (não necessariamente incendiários). A reputação de
honestidade lhe ajudou a ganhar, porém necessitará um pouco da ajuda do céu
para exercer a Presidência" - Informação da
Embaixada dos EUA, datada de junho de 2008, vazada pelo WikiLeaks, antes da
posse de Lugo.
O
cerco midiático contra Lugo vinha se fechando, num país em que 85% das terras
encontram-se nas mãos de 2% da população e onde os mesmos donos dos três
principais jornais, umbilicalmente vinculados às transnacionais e ao sistema
financeiro, também controlam as emissoras de rádio e televisão.
Assim,
de forma suja e monocórdica, foram convocadas manifestações, com bloqueio de
estradas, para o próximo dia 25 de junho. Grandes "tratoraços" em
protesto contra a decisão do governo em favor da saúde da população e da
soberania alimentar - de não liberar a semente de algodão transgênico Bollgard
BT, da Monsanto, cuja sequência genética está mesclada ao gene do Bacillus
Thurigensis, bactéria tóxica que mata algumas pragas de algodão.
A
decisão, que afetava milionários interesses da multinacional estadunidense,
havia sido comunicada pelo Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Vegetal e de
Sementes (Senave), uma vez que a liberação não tinha o parecer do Ministério da
Saúde e da Secretaria do Meio Ambiente.
"A
Monsanto, através da UGP, estreitamente ligada ao Grupo Zuccolillo, que publica
o diário ABC Color, se lançou contra a Senave e seu presidente Miguel Lovera
por não ter inscrito a sua semente transgênica para uso comercial no
país", denuncia o jornalista e pesquisador paraguaio Idilio Méndez
Grimaldi.
Para
tirar o Senave do caminho foi alegado o surrado argumento da
"corrupção" no órgão, o mesmo estratagema da máfia de Carlinhos
Cachoeira para tomar de assalto o DNIT e alavancar negociatas, via utilização
de seus vínculos com a revista Veja para denunciar desvios no órgão -
conseguindo inclusive a queda do ministro dos Transportes. Desta forma,
"denúncias" por parte de uma pseudo-sindicalista do Senave, Silvia
Martínez, ganharam manchetes na mídia canalha. O jornal ABC Color do dia 7 de
junho último acusou o chefe do Senave, Miguel Lovera, de "corrupção e
nepotismo na instituição que dirige". Mas o fato é que a pretensa
sindicalista advogava em causa própria, do marido e de seus patrocinadores.
Conforme
revelou Grimaldi, "Silvia Martínez é esposa de Roberto Cáceres,
representante técnico de várias empresas agrícolas - todas sócias da UGP (Unión
de Grêmios de la Producción) - entre elas Agrosán, recentemente adquirida pela
Syngenta, outra transnacional, por 120 milhões de dólares".
Algo
similar à UDR (União Democrática Ruralista) de Ronaldo Caiado, e aos ruralistas
da senadora Kátia Abreu, a UGP é comandada por Héctor Cristaldo, sustentado por
figuras como Ramón Sánchez - vinculado ao setor agroquímico - entre outros
agentes das transnacionais do agronegócio. "Cristaldo integra o staff de
várias empresas do Grupo Zuccolillo, cujo principal acionista é Aldo
Zuccolillo, diretor proprietário do jornal ABC Color desde sua fundação sob o
regime de Stroessner, em 1967. Zuccolillo é dirigente da Sociedade
Interamericana de Prensa (SIP)", esclarece Idílio Grimaldi. O jornalista
lembra que o Grupo Zuccolillo é o principal sócio no Paraguai da Cargill, uma
das maiores transnacionais do agronegócio do mundo. "Tal sociedade
construiu um dos portos graneleiros mais importantes do Paraguai, o Porto
União, a 500 metros da absorção de água da Companhia de Saneamento do Estado,
sobre o rio Paraguai, sem qualquer restrição", esclarece.
Com
a proteção do apodrecido Congresso que condenou Lugo, as transnacionais do
agronegócio no Paraguai praticamente não pagam impostos, com uma carga
tributária de 13% do PIB, tão insignificante que acaba inviabilizando os
serviços públicos. Vale lembrar que a saúde e a educação eram totalmente
privadas antes da ascensão de Lugo à Presidência, num país em que os
latifundiários não pagam impostos. O imposto imobiliário representa apenas
0,04% da carga tributária, uns 5 milhões de dólares - segundo estudo do Banco
Mundial - ainda quando a renda do agronegócio alcance cerca de 6 bilhões de
dólares anuais, em torno de 30% do PIB.
Na
sexta-feira, 8 de junho, a UGP publicou no ABC Color seus "12 argumentos para destituir Lovera".
Tais "argumentos" foram apresentados ao então vice-presidente da
República, Federico Franco, correligionário do ministro da Agricultura e
pró-Monsanto, recém nomeado "presidente".
Na
sexta-feira, 15, descreve Grimaldi, "em função de uma exposição anual organizada
pelo Ministério de Agricultura e Pecuária, o ministro Enzo Cardozo deixou
escapar um comentário à imprensa: um suposto grupo de investidores da Índia, do
sector agroquímico, cancelou um projeto de investimentos no Paraguai pela
alegada corrupção no Senave. Nunca esclareceu de que grupo se tratava. Nas
mesmas horas daquele dia ocorriam os trágicos acontecimentos de Curuguaty, onde
morreram onze camponeses e seis policiais". O sangue derramado foi o
pretexto utilizado pela direita para o impeachment.
COMO
NA VENEZUELA, USO DE FRANCO-ATIRADORES
O
que se sabe é que a exemplo da tentativa de golpe de Estado na Venezuela, onde
a CIA utilizou franco-atiradores para assassinar os manifestantes contrários ao
governo para jogar a culpa do massacre sob os ombros de Hugo Chávez, também em
Curuguaty agiram franco-atiradores. E dos bem profissionais. E movidos pelos
mesmos propósitos.
Na
região de Curuguaty está localizada a estância de Morombí, propriedade do
latifundiário e grileiro Blas Riquelme, dono de mais de 70 mil hectares. O
"terrateniente" é uma das viúvas da ditadura do general Alfredo
Stroessner (1954-1989), um dos principais beneficiados pela tristemente célebre
Operação Condor, desenvolvida pela CIA no Cone Sul para torturar, assassinar e
desaparecer com todo aquele que ousasse contrariar os interesses estadunidenses
na região. Ele também foi presidente do Partido Colorado por longos anos e
senador da República, sendo igualmente dono de uma rede de supermercados e
estabelecimentos pecuários.
Como
Riquelme havia se apropriado mediante subterfúgios legais de aproximadamente
dois mil hectares pertencentes ao Estado paraguaio, camponeses sem terra
ocuparam o local e solicitaram do governo Lugo a sua desapropriação para fins
de reforma agrária. Um juiz e uma promotora ordenaram a retirada das famílias
por meio do Grupo Especial de Operaciones (GEO) da Polícia Nacional, esquadrão
de elite que, em sua maioria, foi treinado por militares dos EUA na Colômbia,
durante o governo fascista de Álvaro Uribe.
Na
avaliação de Grimaldi, que também é membro da Sociedade de Economia Política do
Paraguai (SEPPY), somente uma sabotagem interna dentro dos quadros da própria
inteligência da Polícia, com a cumplicidade da Promotoria, explicaria a
emboscada na qual morreram seis policiais. Uma ação estrategicamente planejada
com um objetivo bem definido. "Não se compreende como policiais altamente
treinados, no marco do Plano Colômbia, pudessem cair tão facilmente numa
suposta armadilha feita por camponeses, como quer fazer crer a imprensa
dominada pela oligarquia. A tropa reagiu, matando 11 camponeses e deixando
cerca de 50 feridos". Entre os policiais mortos, ressalta, estava o chefe
da GEO, Erven Lovera, irmão do tenente-coronel Alcides Lovera, chefe da
segurança do presidente. Um recado claro e preciso para Lugo.
A
SERVIÇO DA MONSANTO
Conforme
o jornalista, no marco da apresentação preparada pelo Ministério da Agricultura
- a serviço dos EUA -, a transnacional Monsanto anunciou outra variedade de
algodão, duplamente transgênico: BT e RR ou Resistente ao Roundup, herbicida
fabricado e patenteado pela multinacional, que quer a liberação da semente no
país.
Para
afastar incômodos obstáculos, antes disso o diário ABC Color vinha denunciando
"presumíveis" fatos de corrupção dos ministros do Meio Ambiente e da
Saúde, Oscar Rivas e Esperança Martínez, que também haviam negado posição
favorável à Monsanto. A multinacional faturou no ano passado, somente com os
royalties pelo uso de sementes transgênicas de soja no Paraguai, 30 milhões de dólares,
livre de impostos, (porque não declara esta parte de sua renda).
"Independente disso, a multinacional também fatura pela venda das sementes
transgênicas. Toda a soja cultivada é transgênica numa extensão próxima aos
três milhões de hectares, numa produção em torno de sete milhões de toneladas
em 2010", revela Grimaldi.
Por
outro lado, acrescenta o jornalista, a Câmara de Deputados já aprovou projeto
de Lei de Biosseguridade, que contempla criar uma direção de Biosegurança com
amplos poderes para a aprovação do cultivo comercial de todas as sementes
transgênicas, sejam elas de soja, milho, arroz, algodão... Este projeto de lei
elimina a atual Comissão de Biosseguridade, ente colegiado de funcionários
técnicos do Estado paraguaio, visto como entrave aos desígnios da Monsanto.
"Enquanto
transcorriam todos esses acontecimentos, a UGP vinha preparando um ato de
protesto nacional contra o governo de Fernando Lugo para o dia 25 de junho, com
máquinas agrícolas fechando parte das estradas em diferentes pontos do país.
Uma das reivindicações do denominado 'tratoraço': a destituição de Miguel
Lovera do Senave, assim como a liberação de todas as sementes transgênicas para
cultivo comercial".
Dado
o golpe, como estamparam os grandes conglomerados de mídia no Paraguai neste
sábado, "a manifestação da UGP foi suspensa". Afinal, "há um
novo governo, mais sensível ao mercado".
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